Graciliano Ramos
Sua porta de entrada é a Revolução de 30, que fraturou a economia rural e agrária e toda a sua lógica e transferiu o poder para o universo urbano e mercantil. Em cada estado do Nordeste, um escritor tomou a si a narração do estertor e seus corolários (o coronel, o voto de cabresto, o patriarcalismo, o morador...) e da ascensão de um arcabouço social e econômico novo que substituiria traumaticamente o anterior.
O Nordeste aparece como cenário dessas reflexões, da profundidade das raízes dessas estruturas arcaicas na região as quais potencializam formatações coloniais baseadas no latifúndio e na escravidão.
Graciliano Ramos é a cara de tudo isso: seus três principais romances retratam a tragédia rural sendo substituída pela urbana, num quadro de derrocada do homem em todas as suas dimensões.
“Vidas Secas”, numa narração partida em quadros independentes entre si, retrata o deslocamento de uma família miserável fugindo da seca para abrigar-se numa fazenda abandonada que, na verdade, mostra-se depois como lugar nenhum. Fabiano e Sinhá Vitória, os adultos, não sabem para onde ir, são incapazes de sonhar e de sair da situação em que se encontram. Andam em círculos numa planície avara e sem remédio.
Animalizados pela brutalidade do meio e da estrutura social, não pensam, não entendem, não agem, sendo fantoches sem livre arbítrio. Seus filhos sem nome repetem e parecem eternizar a falta de perspectivas. Por uma triste ironia, o mais humanizado dos personagens é a cachorra Baleia, o único do grupo que se comunica, que se move dentro da lógica de amor e do sonho – o homem desumanizado ao lado de um bicho humanizado... O narrador em terceira pessoa acompanha-os com uma compaixão indisfarçável.
Não é o que acontece com os personagens centrais dos outros dois romances – Paulo Honório e Luís da Silva, que, em primeira pessoa, relatam suas trajetórias sem sentido, mas agora de uma forma diferente: não é que eles estejam perdidos por não saberem como Fabiano; eles sabem aonde vão, porém seguem um caminho errado – não se associam, não se solidarizam; seu materialismo cego os arrasta a um relativismo moral e a um egoísmo desprezíveis; carregam um tamanho poder de negação que parecem possuir um desejo secreto de autodestruição que não se completa e de destruição do outro que tragicamente se realiza.
“Angústia” é o menos social e mais introspectivo de seus textos. O narrador Luís da Silva é um homem falhado em tumulto e desordem de pensamentos. Seus sentimentos, lembranças e projetos perdem-se em delírios e labirintos e o vazio de sua vida parece justificar ou o crime ou a loucura que o vencem.
“São Bernardo” traz no título o nome de uma fazenda, mas o fundamental no livro não é a terra; é Paulo Honório, que se projeta nela, e seus motivos psicológicos. O egoísmo é o traço mais característico desse personagem, a incapacidade mesma para se colocar no lugar do outro. Aí está o aspecto central da obra: o atrito irremediável entre os personagens, a falta de diálogo, a desigualdade, as sombras, as opressões, os castigos e a dor decorrente desse conjunto absurdo de impotências para a humanização das relações sociais. A brutalidade, a grosseria, a injustiça vencem de uma forma tão inegável na fazenda São Bernardo que matam Madalena, a esposa do narrador. A narração de Paulo Honório, no entanto, mesmo sem querer, ressuscita a humanidade tímida e delicada de Madalena que, ao fim, é o grande triunfo do texto?