sábado, novembro 18, 2006

Aos nossos alunos

Para uma turma de jovens que estão percorrendo as primeiras veredas, achamos pertinente falar sobre as palavras “esperança” e “sonho”, que, de relance, parecem semelhantes. Mas não são.
O sonho é aquilo que nos forma e nos diferencia. “Futuro” é algo que não existe para um animal, nem “passado”. São, digamos assim, invenções humanas e nos dão uma condição diferenciada da dos outros seres. “Sonho” é algo que tem a ver com esse futuro que nós inventamos e que nos forja como os seres extraordinários que somos.
Entretanto, sonho é também uma bússola que norteia o nosso fazer, porque somos ou nos tornamos aquilo com que sonhamos. Não num passe de mágica, mas numa seqüência longa de escolhas e ações. Para escolhas e ações corretas, aconselhamos coerência entre pensar, sentir, agir e falar, o que é tão difícil como necessário. Saber o sentimento, aprová-lo com a razão de pensar, falar dele em concordância com o agir são o ponto do equilíbrio.
O sonho, portanto, é uma construção tanto coletiva e social (até porque somos também o que se espera de nós) quanto individual (porque é na nossa subjetivação que nos vamos fazendo à medida que escolhemos).
Desse modo, paulatinamente, vamos nos construindo à proporção que escolhemos, erramos, consertamos, recuamos, enfrentamos; enfim, realizamos os nossos quereres.
Mas cuidado! O outro também tem quereres e crescer é uma “cilada”, como diz Caetano Veloso, porque “a vida é real e de viés” e, na verdade, é um embate de vontades e de sonhos.
Realizar seu sonho sem destruir ou impedir o sonho do outro é requisito de paz interior e de consciência limpa, sem as quais ensopamos de lágrimas, de insônia e de violência o nosso travesseiro. “Encontrar a mais justa adequação, tudo métrica e rima e nunca dor”, pegando de novo Caetano, é tarefa de homens, sempre incompleta, precisando revisões, reajustes e dores de toda sorte, mas de que não devemos desistir.
Ah! o outro... essa entidade oblíqua e irritante. Aquele a quem devo, no mínimo, tolerar e que é igual a mim e diferente de mim... Riobaldo, compactuado com o Mal, no “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa, não admitiu “conselho nem contradição”, ou seja, às vezes o caminho do Bem está em ser contrariado. Em confrontar-se com o próximo e sua palavra de diferença.
Pois é: vamos aos poucos nos tornando aquilo com que sonhamos nessa gangorra individual e social de difícil equilíbrio, principalmente numa sociedade de pesos desiguais...
Há ainda outra perspectiva a considerar: sonho é também lupa, porque não podemos sonhar em ser o que não podemos ser. Sonhar é se conhecer e conhecer o mundo ao redor; é conhecer nossas potencialidades e nossos limites; os códigos, os valores sociais, porque subir fraturando-os é, usando Drummond, não escutar “nem o canto do ar, nem os segredos do feno”, ou seja, não considerar o que é essencial.
E a esperança? Onde entra? Também como o sonho, ela não é cega: devemos enfrentar a realidade com coragem, sem nos deixar abater. Esperança é, diante de um sonho malogrado (isso, infelizmente, às vezes, acontece, é preciso dizer), continuar caminhando, ao passo que tecemos um jeito multiplicado de ser de novo, como as estações, que, certamente, comparecem, mesmo para quem não acredita nelas. E de estar de novo no mundo, mesmo de outra forma, que há em nós fontes inesgotáveis de vida e de modos de ser e de fazer, é só não desistir.
Esperança é cortar a cana prevendo o açúcar; é cair e levantar-se, ou ser levantado; é crer na luz vendo o escuro; é olhar a morte e ver uma vida melhor; é mirar vocês e adivinhar melhoras, soluções e respostas.
Que vocês e seus sonhos se realizem e, caso isso não aconteça, que haja em vocês recursos de esperança para seguir adiante.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Cecília Meireles

A morte marcou cedo a poeta Cecília Meireles: seu pai, sua mãe, seus irmãos, sua avó e seu primeiro marido lhe foram tirados prematuramente.
Da sublimação dessa experiência, nasce sua poesia delicada e profunda, ao mesmo tempo, que nos oferece uma reflexão sobre a natureza do homem e sua condição material.
O tema de sua obra é a fugacidade do tempo que atinge sem remédio os homens e as coisas. Trabalhou elementos como o vento, a água, o oceano, o ar... numa dimensão simbólica que confirma sua certeza de que tudo é transitório e passageiro.
Essa temática e essa tendência simbolista somadas à defesa de certos procedimentos tradicionais na poesia (como a manutenção da métrica, da rima e da estrofação) direcionam Cecília a um lugar que pode parecer, à primeira vista, pouco modernista. Mas a quebra da erudição lingüística e o aproveitamento das experiências cotidianas no universo erudito da literatura (e, portanto, a expansão do conceito de “poético”) confirmam sua postura modernista.
Cecília Meireles nunca foi tão necessária: neste tempo em que a matéria é a medida de todas as coisas e em que, como autômatos, seguimos sem lembrar que temos alma; em que, cegos, desafiamos a morte ao limite de duvidarmos de sua existência, sua poesia nos apresenta nossa inescapável condição humana – nosso corpo é um “endereço breve” e nosso espírito, nossa única possibilidade de transcendência e de identidade.