sábado, fevereiro 27, 2010

"Meu pé esquerdo", de Noel Pearson

“Meu pé esquerdo” é um filme de 1989, baseado numa história real. Por algum motivo que não consigo recuperar, não o tinha visto ainda, mas meus compromissos profissionais terminaram por me forçar a assistir a ele.

O protagonista é Christy Brown, que sofreu um acidente no parto, provavelmente anoxia, o que resultou na chamada paralisia cerebral, condição de dificuldade física variável decorrente da falta de oxigênio momentânea que pode deixar sequelas simples ou profundas. No caso, a única parte de seu corpo governável era o pé esquerdo – daí o título do filme que conta a sua história, desde sua infância até a idade adulta, quando se tornou autônomo do ponto de vista não só psicológico, mas também econômico, exercendo a profissão de escritor e artista plástico.

É um filme sobre a suplantação de dificuldades extremas, e isso sempre nos toca e mobiliza, pois nos faz ver como nossa vida é fácil e como carregamos fardos descartáveis no caminho.

A história parece triste, mas não é; é, sim, uma narrativa sobre a vida, sobre ferramentas e finais felizes. É que alguns de nós vêm com muitas ferramentas e outros, com poucas. E o que fazemos com elas é o que importa.

O protagonista fez a jornada com poucas ferramentas, algumas quebradas, mas cumpriu-a com êxito. Apesar dos percalços, nasceu, cresceu, amadureceu e ficou autônomo, psicológica e economicamente. Soube receber ajuda, ajudou, amou e foi amado.

Inicialmente sua mãe (e sua família difícil, como todas, e funcional, como algumas), depois sua médica e, infere-se, sua esposa estiveram ao seu lado, sem desistir, amando-o, incentivando-o, falando, escutando, brigando...

Penso, a partir dessa narrativa, na pluralidade, em suas dificuldades, seus desafios; o que concluo é o triunfo do espírito.

Eles sempre vieram, os diferentes. E multiplicaram em alguns a capacidade de amar. Em outros, a capacidade de odiar. Hoje têm ao seu lado leis que lhes garantem direitos, e tratamentos e tecnologias que lhes asseguram condições melhores de vida. Mas são mais lentos, mais dependentes, mais incapazes, mais deficientes. O que fazemos com isso também importa. E muito.

Vêm... Alguns iluminam o mundo, outros escurecem... Vêm... Alguns os consideram dádiva... Outros, castigo... Vêm para nos lembrar de nossos defeitos e impotências? Ou para não esquecermos que cuidamos uns dos outros, em última instância?

No filme, Christy Brown desacata Platão, mas uma história como a dele confirma a minha certeza de que há algo além da caverna, apesar de não desconfiarmos do que seja.


A Filipe, meu filho, que caminha ao meu lado com o seu pé esquerdo.