quarta-feira, março 31, 2010

"Gente como a gente", de Robert Redford

A entrega do Oscar, este ano, me fez lembrar um filme antigo chamado "Gente como a gente" (no original, "Ordinary people"). Apesar de ter levado a premiação, esse filme caiu num esquecimento inaceitável, na minha opinião. De vez em quando, a lembrança dele me assaltava, eu me pegava procurando-o nas prateleiras das locadoras... Até que esta semana fiz o certo - pedi para um amigo entendido baixar na internet. E, revendo o argumento, entendi o que me impulsionava na sua direção.
O enredo é a história de uma típica família americana, composta de quatro pessoas: a mãe (Beth), o pai (Calvin), o filho mais velho (Buck) e o mais novo (Conrad).
Somos abruptamente apresentados, logo na primeira cena, às dificuldades de Conrad: seus pesadelos misturam suor, medo, tempestade e mar; sua inapetência irrita sua mãe; sua inadequação na escola o deixa só e excluído. Seu pai é o único que parece, de alguma forma, preocupado e carinhoso com ele.
Através de flashes rápidos, somos introduzidos no conflito: depois da morte de Buck num acidente de barco durante uma tempestade e da tentativa de suicídio de Conrad, a família parece estar no limite e vive, de várias formas, um luto mudo e inarticulado.
Beth resolveu que vai varrer a tristeza para baixo do tapete e segue a vida, arrumando a casa impecavelmente e mantendo uma normalidade e uma rotina absurdas.
Acho que ela não consegue perdoar a Conrad pela exposição adicional pela qual teve de passar por causa de sua hospitalização. Seu zelo pela privacidade, na verdade, é uma tentativa canhestra de controle emocional tanto do marido quanto do filho. É com esta palavra - controle - que Conrad chega a um psiquiatra.
Uma narração partida nos oferece cenas das consultas, da escola, do time de natação, do coral e da casa. Testemunhamos Conrad tentando desesperadamente achar um sentido na sua trajetória.
Até que se apresenta o ponto de mutação: uma amiga que Conrad conhecera no hospital termina por conseguir realmente se matar. O garoto corre ao consultório do psiquiatra e mantém com ele, pela primeira vez, uma conversa meio parecida com briga, a partir da qual chega a algumas conclusões - ele e a mãe mantêm um engarrafamento de incapacidades de perdão; ele está vivo porque, na verdade, foi mais forte que Buck; coisas ruins acontecem, mesmo quando as pessoas são cuidadosas; sentimentos são dolorosos e dão medo, eventualmente; nem sempre há respostas...
Acho que o que me imantava à lembrança desse filme era revê-lo depois que meu núcleo familiar tinha vivido um episódio da mesma natureza - um acidente, naquela família; uma doença grave na minha. Drummond, como sempre, tem uma frase perfeita para traduzir a situação: "a vida tem dessas exigências brutas".
Verifiquei, na minha experiência, o que o filme mostra - cada membro da família reage e elabora a dor, a injustiça, a brutalidade, a surpresa, de uma forma diferente. A culpa, às vezes, é um pesadelo adicional que pode, intermitente, rondar por aí.
É difícil seguir em frente, arrastando o episódio. E nenhum problema anterior desaparece. Como na matemática, essa razão invisível vai multiplicando as dificuldades. E é preciso fazer o que Conrad fez - segurar, firme, o barco e manter-se à tona, apesar das ondas, do vento, da chuva, do medo e da vontade de desistir.
Há uma espécie de tesouro dentro de nós, no entanto, cujo valor nos é passado por uma corrente inominável e incontável de pessoas, que nos impele a navegar numa rota imprecisa, mas necessária, como diz Fernando Pessoa.
E continuamos, apesar de tudo.
Ao contrário da mãe do filme, eu falo o que sinto e penso o tempo todo. Mas isso não quer dizer que sou compreendida, só que falo. E não suporto frases feitas na religião e na autoajuda para explicar ou consolar do tipo: "Deus só manda o que podemos suportar", "há casos piores do que o seu"...
Não há lógica nesse Deus injusto que escolhe seus filhos bons para receberem provações absurdas e brutas.
A lógica está no amor, na atenção, no afeto, no reconhecimento e no apoio, todos imperfeitos (não faz mal), que recebemos no caminho e que fazem dessa experiência material difícil uma passagem possível e suportável.

Aos meus amigos Luís Antônio e Coca, que me deram o filme e que tiveram coragem de ficar a meu lado quando meu barco virou.