Colação de grau - 3º ano
Na posição em que estou aqui, vejo, exatamente, o que pensei que veria: a palavra “sonho” materializada. E de várias formas – aqui temos sonhos que se realizam, cruzados com sonhos que se moldam para mais tarde se realizarem. Portanto esse lugar está bonito de muitas maneiras; está bonito porque há incontestável beleza física e também porque aqui se executam ações não só exclusivamente humanas, mas também estruturantes.
Ponho-me
no lugar dos pais aqui presentes, que receberam vocês há alguns anos. Este
momento de hoje, provavelmente, foi projetado por eles com vocês, nos braços. E
vocês começaram a ser exatamente aí,
porque somos todos, de início, o desejo de nossos pais.
Sei
exatamente o que eles estão sentindo: há um filme que passa dentro do nosso
coração, uma revisitação rápida das dores e das dificuldades e um gosto de
vitória, porque, quando nossos filhos crescem e passam a andar com as próprias
pernas, só nós sabemos o quanto está ali a nossa vida, os nossos mais
importantes investimentos e tudo de nós que adiamos ou de que abrimos mão para
o caminho deles ser possível.
Mas
cada um de nós é também fruto das próprias construções e há aqui, desse modo,
os sonhos que vocês mesmos imaginaram e começam, com suas próprias mãos, a
realizar. A escolha da profissão, a negociação interna e com os pais, a
relutância, a prova que, em breve, vocês terão que prestar, o medo, a
hesitação, tudo isso está aqui, e os adultos presentes, todos, estão torcendo
por vocês, revisitando, provavelmente, os jovens que foram, os momentos por que
passaram; estão apoiando vocês para que se tornem pessoas úteis, produtivas,
capazes de contribuir. E felizes, que, em última instância, é o que todos queremos
ser.
O
sonho, portanto, é tanto uma construção individual (porque é na nossa
subjetivação que nos construímos, à medida que cumprimos o dever de nossas
vidas – escolhas, erros, consertos, recuos, enfrentamentos, recomeços...),
quanto coletiva e social (porque somos também o que se espera de nós).
Mas,
atenção: nessa trajetória social, há, inevitavelmente, o outro. Realizar nosso
sonho sem destruir ou impedir o sonho do outro é, ao mesmo tempo, um desafio e
um requisito de paz interior e social, sem a qual ensopamos de lágrimas, de
insônia e de violências nosso cotidiano.
Vocês
estão crescendo num país diferente daquele em que cresci. Quando eu era da
idade de vocês, eu sonhava com justiça social. Testemunhei lutas e violências
de todos os tipos para se conquistar igualdade e liberdade neste país. Cresci
presenciando injustiças, torturas, mortes, desaparecimentos, exílios...
Felizmente, de lá para cá, houve fortalecimento da democracia, da liberdade de
expressão; milhões de brasileiros saíram da pobreza; estamos lutando,
abertamente, para garantir educação para todos e, por conseguinte, melhores
condições de vida para todos.
É
neste ponto que trago outra palavra nesta noite bonita. Muito parecida com
“sonho”, a palavra “esperança” tem, entretanto, outras nuanças: é que ela é
acessada quando o sonho e sua construção malograram (isso, infelizmente,
acontece). E é preciso continuar seguindo a vida, reinventando o ser e o estar
no mundo. Ela é mais forte, mais corajosa ainda; “esperança” é quando a gente recorre
a imperativos inimagináveis de suplantação.
Pois
bem: tenho esperança em vocês.
Espero
que vocês acordem de suas meninices e se engajem nesse projeto, em curso, de
melhoramento e democratização deste país; espero que vocês exerçam suas
profissões não só para se sustentarem, mas para servirem a esse projeto,
atenuando as absurdas hierarquizações que existem na nossa sociedade; espero
que vocês, no exercício de suas profissões, contribuam para uma convivência
mais cuidadosa entre as pessoas; espero que vocês viabilizem melhoras,
soluções, respostas, saídas; espero que vocês usem as vantagens que tiveram não
para repetir injustiça e violência,
mas para repartir riquezas e
benefícios que o futuro, certamente, trará. Em resumo, espero que vocês escrevam nesse futuro que se abre para vocês “como
um caderno novo” (como diz João Cabral de Mello Neto) com a língua do amor.
Por
fim, transformo este texto numa prece para que vocês e seus sonhos se realizem;
caso isso não aconteça, que essa prece fique mais forte ainda, para que haja,
em vocês, recursos de esperança para seguir adiante, sem desistir de aprender a
língua do amor, a mais difícil de todas, mas a que faz tudo ter sentido e valer
a pena.