sábado, outubro 27, 2012

Colação de grau - 3º ano

Na posição em que estou aqui, vejo, exatamente, o que pensei que veria: a palavra “sonho” materializada. E de várias formas – aqui temos sonhos que se realizam, cruzados com sonhos que se moldam para mais tarde se realizarem. Portanto esse lugar está bonito de muitas maneiras; está bonito porque há incontestável beleza física e também porque aqui se executam ações não só exclusivamente humanas, mas também estruturantes.
Ponho-me no lugar dos pais aqui presentes, que receberam vocês há alguns anos. Este momento de hoje, provavelmente, foi projetado por eles com vocês, nos braços. E vocês começaram a ser exatamente aí, porque somos todos, de início, o desejo de nossos pais.
Sei exatamente o que eles estão sentindo: há um filme que passa dentro do nosso coração, uma revisitação rápida das dores e das dificuldades e um gosto de vitória, porque, quando nossos filhos crescem e passam a andar com as próprias pernas, só nós sabemos o quanto está ali a nossa vida, os nossos mais importantes investimentos e tudo de nós que adiamos ou de que abrimos mão para o caminho deles ser possível.
Mas cada um de nós é também fruto das próprias construções e há aqui, desse modo, os sonhos que vocês mesmos imaginaram e começam, com suas próprias mãos, a realizar. A escolha da profissão, a negociação interna e com os pais, a relutância, a prova que, em breve, vocês terão que prestar, o medo, a hesitação, tudo isso está aqui, e os adultos presentes, todos, estão torcendo por vocês, revisitando, provavelmente, os jovens que foram, os momentos por que passaram; estão apoiando vocês para que se tornem pessoas úteis, produtivas, capazes de contribuir. E felizes, que, em última instância, é o que todos queremos ser.
O sonho, portanto, é tanto uma construção individual (porque é na nossa subjetivação que nos construímos, à medida que cumprimos o dever de nossas vidas – escolhas, erros, consertos, recuos, enfrentamentos, recomeços...), quanto coletiva e social (porque somos também o que se espera de nós).
Mas, atenção: nessa trajetória social, há, inevitavelmente, o outro. Realizar nosso sonho sem destruir ou impedir o sonho do outro é, ao mesmo tempo, um desafio e um requisito de paz interior e social, sem a qual ensopamos de lágrimas, de insônia e de violências nosso cotidiano.
Vocês estão crescendo num país diferente daquele em que cresci. Quando eu era da idade de vocês, eu sonhava com justiça social. Testemunhei lutas e violências de todos os tipos para se conquistar igualdade e liberdade neste país. Cresci presenciando injustiças, torturas, mortes, desaparecimentos, exílios... Felizmente, de lá para cá, houve fortalecimento da democracia, da liberdade de expressão; milhões de brasileiros saíram da pobreza; estamos lutando, abertamente, para garantir educação para todos e, por conseguinte, melhores condições de vida para todos.
É neste ponto que trago outra palavra nesta noite bonita. Muito parecida com “sonho”, a palavra “esperança” tem, entretanto, outras nuanças: é que ela é acessada quando o sonho e sua construção malograram (isso, infelizmente, acontece). E é preciso continuar seguindo a vida, reinventando o ser e o estar no mundo. Ela é mais forte, mais corajosa ainda; “esperança” é quando a gente recorre a imperativos inimagináveis de suplantação.
Pois bem: tenho esperança em vocês.
Espero que vocês acordem de suas meninices e se engajem nesse projeto, em curso, de melhoramento e democratização deste país; espero que vocês exerçam suas profissões não só para se sustentarem, mas para servirem a esse projeto, atenuando as absurdas hierarquizações que existem na nossa sociedade; espero que vocês, no exercício de suas profissões, contribuam para uma convivência mais cuidadosa entre as pessoas; espero que vocês viabilizem melhoras, soluções, respostas, saídas; espero que vocês usem as vantagens que tiveram não para repetir injustiça e violência, mas para repartir riquezas e benefícios que o futuro, certamente, trará. Em resumo, espero que vocês escrevam nesse futuro que se abre para vocês “como um caderno novo” (como diz João Cabral de Mello Neto) com a língua do amor.
Por fim, transformo este texto numa prece para que vocês e seus sonhos se realizem; caso isso não aconteça, que essa prece fique mais forte ainda, para que haja, em vocês, recursos de esperança para seguir adiante, sem desistir de aprender a língua do amor, a mais difícil de todas, mas a que faz tudo ter sentido e valer a pena.