domingo, julho 13, 2014

"Poderosa Afrodite", de Woody Allen

         “Poderosa Afrodite” é um filme do diretor Woody Allen, por quem tenho um sentimento dúbio: enquanto assisto a seus filmes, divirto-me a valer; mas costumo me esquecer das histórias, e isso não é um acontecimento comum na minha vida, pois me lembro perfeitamente de histórias que li quando era uma menina ainda.
            Quando alguém me pergunta se já assisti a tal filme de Woody Allen, eu respondo um “não sei” bem aguado e concluo que, inconscientemente, vingo-me dele esquecendo.
            Pois bem: revi “Poderosa Afrodite” recentemente e, além de constatar que tinha me esquecido de tudo, ri e chorei bastante – pelo menos meu esquecimento me traz a possibilidade de ver, pela primeira vez, sempre, os filmes de Woody Allen.
            Desta vez, a história é a de um casal que adota uma criança: Lenny, o pai, é jornalista esportivo e Amanda, a mãe, trabalha numa galeria de arte. O tema da adoção, diga-se de passagem, não é brinquedo na vida do diretor: uma de suas esposas adotou crianças, e a separação do casal se deu por um explosivo caso entre Woody Allen e uma de suas filhas (deixei o “suas” com proposital ambiguidade para explicar melhor). Que Woody Allen nos faça rir dessa tragédia é a cara dele...
            Na história, como o filho adotivo é muito sabido e muito bonito, Lenny resolve, sabe-se lá por quê, ir atrás da mãe do menino, na expectativa de encontrar uma bela e inteligente mulher. Mas, depois de roubar papéis confidenciais, o personagem termina por encontrar uma prostituta tão burra e incompetente que, apesar de linda, não consegue dar conta do seu “negócio”.
            Por amor ao filho, Lenny tenta reencaminhá-la a uma vida normal, direcionando suas escolhas, ajudando-a a resolver suas questões com o cafetão, enrolando o cômico e o dramático, como tão bem os personagens de Woody Allen sabem fazer.
           Surpreendentemente, no meio de tudo isso, surgem, do nada, música grega para turistas, heróis da mitologia, figuras da psicanálise e um hilário coro de tragédia grega que narra, opina, interfere, aconselha... seguido pela solução “deus ex machina”, desde sempre implausível, impossível e inexplicável, que resulta num final casual e surpreendente. Feito a vida e seus “Imponderáveis de Almeida”, nas palavras de Nelson Rodrigues.
           Na verdade, gosto de duas ideias desse filme. A primeira é a da loteria genética humana. Rubem Braga, uma vez, refletiu sobre ela numa crônica linda chamada “Imigração”, escrita num distante janeiro de 1952. Nesse texto, nosso Rubem comenta uma reportagem sobre a Ilha das Flores, para onde iam os imigrantes assim que chegavam ao Brasil. O jornalista que a escreveu discordava da política imigratória daquela época que aceitava inúteis, como músicos, bailarinas, cabeleireiras, costureiras, vendedores, em vez de agricultores e técnicos. Na crônica, Braga concorda com o jornalista, de início. Mas depois se perde nas próprias ideias e começa a apreciar as fotografias da reportagem, concluindo que o destino é insensato, que nós não vivemos apenas de alfaces e motores, que é preciso um monte de tudo para formar um mundo e que cada pessoa é uma trança inexplicável de heranças, taras, possibilidades, escolhas e milagres, algo assim... E que as redenções podem vir de um desqualificado anônimo, já que a fantástica loteria humana é imprevisível e, portanto, incompreensível... E tarôs e cartas não adiantam nada, infelizmente, eu acrescento...
            A segunda ideia que aprecio é a do amor, de que não se pode fugir e que é tão velho quanto nós, tanto que aparece nas tragédias gregas antigas, tão fortemente referidas no filme.
          Há dois triunfos na história – o amor (esse sentimento tão humano que faz o que fazemos: destrói e gera vidas) e a arte (essa ação também tão nossa que alimenta o amor e se alimenta dele).
              Não são triunfos completados, na realidade. Mas costumamos não desistir, seguindo adiante, às cegas, com as heranças...