sexta-feira, maio 20, 2016

Passeio pela Literatura - 4



O livro “O cortiço”, de Aluísio Azevedo (1890), talvez seja o mais determinista da literatura mundial.
De maneira geral, várias obras do período se tecem em cima da ideia de que o ambiente social é mais forte do que os personagens do romance. A personagem Anna Karenina, do escritor russo Leon Tolstoy, por exemplo, suicidou-se, em virtude da exclusão social a que ficou relegada, depois que assumiu formalmente sua relação extraconjugal: não podia frequentar a igreja, nem o teatro, nem a casa das outras personagens as quais, enquadradas nas convenções sociais, marcaram uma “distância regulamentar” daquela personagem que, de forma franca, tinha se libertado das verdadeiras prisões sociais a que todos os nobres da época eram condenados. Sua discriminação era uma espécie de vingança dos outros, já que todos se submetiam às regras em troca dos privilégios escandalosos de que usufruíam, e nenhum personagem lhe perdoou da traição de classe e valores. No enredo, há um detalhe também ilustrador: Anna estava lendo um livro de Hipólito Taine, historiador, crítico literário e pensador francês, expoente do Positivismo do século XIX. Seu método de análise consistia em observar o ser humano a partir de três fatores determinantes − o ambiente, a raça e o momento histórico. Tudo, portanto, foi empurrando Anna Karenina ao trágico desfecho: não só o meio social e suas convenções a esmagaram, mas ainda suas leituras confirmaram a ideia de que não adiantava lutar. A força do coletivo e do grupo, portanto, se sobrepõe e vence a personagem, ideia que, transversalmente, percorre os romances do período.
“O cortiço”, por seu turno, também se faz nessas circunstâncias inescapáveis − quase nenhuma personagem consegue fugir desses condicionantes  ambientais, genéticos e históricos, ao contrário: todas são, ao longo da narração, mais ou menos submetidas a esse contexto fatalista.
Personagens como Pombinha e Jerônimo, por exemplo, apesar de terem planos de melhorar de vida, são arrastadas por leis químicas e físicas e reduzidas a animais instintivos, sem profundidade psicológica. Essa redução é uma faca de dois gumes perigosa – pode servir ao objetivo de denunciar condições de vida precárias, mas pode também revelar preconceitos de toda ordem: o livro “Coração das trevas”, de Conrad, escritor britânico de origem polonesa que também viveu entre o final do século XIX e o começo do XX, tentou se equilibrar sobre esse abismo; quis denunciar o Processo Colonial inglês na África, por meio da animalização dos africanos, e os magoou irremediavelmente − até hoje é considerado lá persona non grata, a despeito de suas boas intenções. Essa caracterização animalizadora era um espelho da ideia de evolução corrente na época, ou seja, se havia evolução, poderia haver involução, ou mesmo sociedades evoluídas e involuídas. Daí à justificação de a África e mesmo a Índia serem “o fardo” dos ingleses, que deveriam civilizá-las, foi um passo rápido e gerador das mais inaceitáveis violências.
As atuais questões europeias relativas à imigração e todo o seu horror são sequelas desse brutal erro histórico europeu que, inapagável, ainda assombra e fere o mundo todo dia...